28 de março de 2010

Pressa x Velocidade

Já se tornou comum ouvir fazer uma pergunta despretensiosa do tipo "Como está?" e receber a resposta, em movimento, pois não há tempo, "Tá corrido!".

Seja dentro do seu convívio profissional ou fora dele, a grande maioria está passando pela mesma situação, onde a pressão por resultados distorce a visão do que é pressa e o que é velocidade e quais suas consequências para o indivíduo, para o projeto, para a instituição, ou seja, para todos os envolvidos.

A velocidade é um quesito bastante discutido no mundo ágil, que mede o poder para entrega de uma equipe em pontos, e toda a sequência de atividades leva em conta essa taxa. O quanto posso assumir de responsabilidade para as próximas semanas? Consulte a velocidade da equipe. Qual a próxima release do projeto? Mesma resposta anterior.

Note que existe uma grande diferença entre a velocidade calculada e a pressão desmedida.

É com base nesse tema que pensei e discuti com outras pessoas quais as causas dessa pressa disfarçada de velocidade. Quais são as consequências dessa naturalidade de uma situação negativa e pretensiosamente quais seriam as ações para evitar esse quadro?

INT. ESCRITÓRIO, ÁREA DO CAFÉ - MANHÃ
Ferris Bueller avista da sua mesa Patrick Bateman apanhando COPOS descartáveis para a primeira dose de cafeína matinal.
Ferris levanta-se e vai ao encontro do colega de trabalho levando o STATUS REPORT de um projeto.
FERRIS
Manuseia as folhas de papel do RELATÓRIO.
   Tudo certo para entregar as camisetas até o final da semana?
PATRICK
Nervoso, coloca o COPO de café que queima sua MÃO sobre o BALCÃO de granito.
   Como assim? A entrega vai acontecer dentro do cronograma, ou seja, em 15 dias.
FERRIS
   Não pode! O evento foi antecipado pelos patrocinadores. Vai acontecer sábado.
Ferris desvia o olhar enquanto caminha em direção ao bebedouro.
Você leitor, nunca passou por uma mudança de planos no seu projeto? Este é o primeiro item da lista de causas para a pressa. No caso acima, a mudança de planos partiu do cliente, que por algum motivo alterou a data do evento, antecipando todas as entregas necessárias. Primeiro é inevitável intervir no livre arbítrio do cliente, seja ele interno ou externo, mas nesse caso é necessário se resguardar de contratempos. Um contrato bem descrito delimitando o escopo e o não escopo, bem como as restrições de projetos e datas poderiam ajudar a garantir a tranquilidade e qualidade da entrega.

Para essas situações, a capacidade de negociação de um Gerente de Projetos é bem vinda. Escopo e Preço são quesitos a serem discutidos entre cliente e fornecedor, uma vez que o item Prazo, neste caso não é negociável.

Contudo, gostaria de chamar a atenção para uma questão que deve ficar clara: o impacto na pressa no quesito Qualidade. É válido um fornecedor comprometer sua imagem entregando um produto de baixa qualidade para satisfazer mudanças de planos?

EXT. PRAÇA XV DE NOVEMBRO, CENTRO DE FLORIPA - TARDE
Walter Sochalk e Juno MacGuff caminham em direção ao escritório.
WALTER
   Como está o andamento do relatório que te pedi hoje pela manhã?
JUNO
Olhando séria para o seu chefe, rebate.
   Estava finalizando todos os relatórios previstos para a semana. As compras já foram realizadas e o cliente pediu a você esse relatório há duas semanas atrás. Se atrasarmos mais uma semana perderemos a conta.
Suspira, e lembra da hierarquia.
   Ok, qual dos projetos devo me dedicar?
WALTER
   Os dois!
Trabalho paralelo é uma atividade muito questionável, mas que perdura nas organizações, na falsa ideia de que serão entregues mais produtos. Com o objetivo de paralelizar os projetos, permitindo à equipe o foco necessário para uma entrega ágil e de qualidade, o Gerente de Projetos deve renegociar os prazos com os clientes, tendo como base de negociação o ROI de cada um dos projetos e seguir o Planejamento Estratégico da sua empresa.
INT. SALA DE REUNIÕES - INÍCIO DA TARDE
Frank Drebin reune sua equipe para expor uma nova situação do projeto. Na reunião está presente o funcionário falastrão Daniel Plainview.
FRANK
Folheando um E-MAIL do cliente impresso recebido antes do almoço.
   Pessoal, convoquei essa reunião para mostrar a vocês uma nova ideia do cliente. Essa funcionalidade deve estar presente na nossa próxima entrega.
DANIEL
Inquieto na CADEIRA confortável da sala, questiona.
   Frank, o prazo é curto, estamos no meio da Sprint, cabe inserir uma nova funcionalidade nessa altura do campeonato? Pela regra a Sprint deveria ser cancelada!
FRANK
   Daniel, devemos fazer o nosso melhor para atender o principal cliente da empresa.
A grande parte dos problemas dos projetos consiste na definição do escopo. Um escopo mal definido certamente trará problemas semelhantes a situação supracitada. Para tentar minimizar esse tipo de problema, o projeto deve ter um documento de Definição Formal do Escopo, que deve estar de acordo entre todos os envolvidos.

A participação de componentes experientes, um analista de sistemas sênior, para a coleta de requisitos também é um fator importante. No entanto, em uma situação de mudança, que deve ser recebida, cabe mais uma vez a negociação do que é escopo do projeto e reavaliar as próximas entregas - o que sai para a nova demanda entrar. E uma dica: estamos dispostos a ajudar o cliente, mas não podemos quebrar nosso fluxo de trabalho para adequar a um problema de escopo, inserir itens no meio de uma Sprint, por exemplo (Scrum).

Outras causas que acredito ser próprias para apressar o projeto:

A insegurança de um componente da equipe. Insegurança pela sua situação na empresa, a garantia de emprego, fusões, novos desafios ou novo cargo, são situações que ajudam na pressa desse indivíduo. Cabe ao Gerente, Scrum Master, Coordenador da equipe, ou seja lá quem estiver no comando ter a sensibilidade de observar indicativos de que isso esteja acontecendo e tratá-la de imediato. Investir nesse funcionário, apresentar a realidade da situação, dar o feedback frequentemente pode auxiliar a evitar a insegurança.

Problema técnico de um dos envolvidos na equipe de produção. Primeiro é importante ter esses indicadores de qualidade e produtividade, justamente para tratar essas situações. Acredito que para esses casos, o responsável pela equipe deve seguir uma ordem de ações: dar mais tempo para a execução das tarefas; ser o coaching desse indivíduo; proporcionar o treinamento no ponto fraco; planejar a realocação para uma área de maior afinidade; por fim, mas somente em últimos casos, analisar a demissão desse elemento. O problema técnico traz invariavelmente muito retrabalho e o acúmulo de novas tarefas, com isso, quem paga o preço é a qualidade das entregas.

Os prazos impossíveis não devem ser aceitos. Primar pela qualidade das entregas e a maneira que a empresa é conceituada no mercado são pontos primordiais suficientes para não aceitar em hipótese alguma uma entrega impossível. A VocêSA de Março de 2010 mostra uma empresa - IMI - Instituto de Marketing Industrial, que aceita somente seis grandes cliente por ano. Imagine o motivo que leva uma grande empresa de consultoria em gestão colocar como regra uma limitação no número de cliente por ano. Essa é uma postura fantástica frente o mercado capitalista. É uma atitude quase surreal, concorda? Mas muito provavelmente essa empresa tem como objetivo final a qualidade. Nossos avós estavam certos quando recitavam que "a pressa é inimiga da perfeição". Outras alternativas para não ser pego de surpresa é promover o recebimento de projetos de forma organizada e antecipada ou mesmo antever sazonalidades que provoquem um crescimento nas demandas.

Um prejuízo tão grande que um prazo impossível imposto pelo cliente é um prazo mal mensurado pela equipe. Como em muitas oportunidades o acordo já foi firmado, a equipe absorve o erro e cria um ambiente pouco propício para a criatividade e o bom andamento dos trabalhos. E eis que começa a correria! Para esses casos, capacitar a equipe, ter a ajuda de um colaborador com experiência e realizar uma reunião de brainstorm sobre o projeto podem ajudar no cálculo mais acertado de prazo.

Após toda a reflexão e algumas ideias sobre o culto a pressa, algumas coisas devem ficar como perguntas para um momento de correria em seu projeto:

  • Estou ciente que essa urgência poderá acarretar problemas de qualidade nas entregas?
  • Estou disposto a colocar em jogo a imagem da empresa para atender essa demanda?
  • Minha equipe responderá positivamente a essa pressão inesperada?
  • Terei capacidade de prover aos meus funcionários um ambiente confortável e que permita o bom relacionamento e a criatividade mesmo no atendimento de uma urgência?
E lembre-se que dizer não também é sinal de profissionalismo.

Abraços.

Referências:

CORREA, F. (Março 2010). O mal do culto à urgência. VOCÊSA.
Nomes dos personagens inspirados em filmes:
Daniel Plainview (Daniel Day-Lewis - Sangue Negro)
Ferris Bueller (Matthew Broderick - Curtindo a vida adoidado)
Frank Drebin (Leslie Nielsen – Corra Que a Polícia Vem Aí!)
Juno MacGuff (Ellen Page – Juno)

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